A mudança climática não está mais nos polos: está nas nossas encostas
Por Julián Castañeda Valderrama, mestrando em Processos Urbanos e Ambientais da Universidad EAFIT (Colômbia) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro, através do programa Move La America/ Capes

Falar sobre mudança climática já não é uma discussão distante nem reservada a cientistas: é uma realidade cada vez mais visível em nosso cotidiano. No meio acadêmico e científico há clareza sobre sua existência e consequências. No entanto, muitas pessoas ainda não compreendem como ela se manifesta em sua vida diária: no trabalho, na economia do lar, no bairro onde vivem.
Esse é hoje um dos nossos maiores desafios: divulgar, de forma clara e acessível, como e em que medida a mudança climática se manifesta nas nossas cidades, nos nossos bairros e nas nossas vidas. Só assim poderemos enfrentar um fenômeno que, com o passar do tempo, gera impactos cada vez mais severos.
Durante muito tempo, a imagem da mudança climática foi construída a partir de geleiras derretendo e ursos polares famintos. Embora essas imagens fossem impactantes, também nos afastavam do problema, fazendo-o parecer distante, como algo que acontecia em outro lugar. No entanto, a mudança climática, além de estar nos polos, está nas nossas encostas potencialmente instáveis, nos nossos bairros inundáveis e em nós mesmos, habitantes desses territórios.
O que a mudança climática tem a ver com os deslizamentos?
Como o próprio nome indica, a mudança climática é uma alteração nos padrões climáticos do planeta. No nosso caso, essa alteração se traduz em um aumento contínuo da temperatura global, algo semelhante ao que acontece quando o corpo humano tem febre: a temperatura se eleva como resposta a um desequilíbrio interno.
A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (1992) estabelece que essa transformação climática está relacionada às atividades humanas, especialmente ao aumento de gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera. Isso ocorre, por exemplo, pela emissão de CO₂ proveniente de veículos, fábricas, desmatamento ou práticas agrícolas intensivas (Eyring et al., 2021).
Essas alterações provocam fenômenos como:
Aumento da temperatura média global.
Mudanças nos padrões de precipitação.
Intensificação de eventos extremos como chuvas torrenciais ou secas.
Se antes a interação do clima com o território apresentava um determinado padrão, com as mudanças climáticas, esse padrão muda, alterando a magnitude e frequência de eventos que são deflagrados por fenômenos climáticos, como as inundações e deslizamentos em função da precipitação, secas em função da estiagem e ilhas de calor em função de temperaturas extremas.
No caso do Brasil, o Perfil de Risco Climático do Grupo do Banco Mundial (2021) projeta um aumento da temperatura entre 1,7 °C e 5,3 °C até o final do século XXI. Em relação à precipitação, o Quarto Relatório Nacional do Brasil para a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) indica uma diminuição das chuvas médias nas regiões Nordeste, Norte e Central do país, enquanto na região Sul é esperado um aumento da precipitação.
Embora em algumas regiões do Brasil as projeções indiquem uma diminuição das chuvas, na maior parte do território prevê-se um aumento significativo dos eventos extremos de precipitação. Isso significa que as chuvas intensas, caracterizadas por grandes volumes de água em curtos períodos de tempo, serão cada vez mais frequentes e intensas. Essas transformações climáticas influenciam diretamente na ocorrência de deslizamentos de terra. Chuvas intensas, ao infiltrarem-se no solo em grandes quantidades e em pouco tempo, aumentam rapidamente a saturação do terreno, o que faz diminuir sua estabilidade. Isso eleva a probabilidade de deslizamentos de terra e de fluxo de detritos.

Mas o risco não é condicionado apenas pela natureza: é social e territorial
A ameaça não está somente no clima. Está também em como habitamos o território. Muitas vezes, as populações mais vulneráveis são empurradas para ocupar áreas suscetíveis a eventos adversos, como encostas íngremes ou planícies inundáveis, sem ter condições de se proteger adequadamente. Essa situação é reflexo de uma estrutura urbana desigual, onde o acesso à terra e à moradia é profundamente condicionado pelo mercado.
O crescimento urbano acelerado e desordenado no Brasil, particularmente durante o século XX, levou à ocupação irregular e precária de áreas inadequadas, muitas vezes sem serviços básicos ou infraestrutura segura. Essa ocupação, longe de ser uma “decisão errada”, é antes uma forma de sobrevivência diante da exclusão. O risco, então, não é apenas consequência do clima extremo, mas de uma forma de organização social que expõe quem menos tem, ao mesmo tempo em que invisibiliza seu direito a uma vida digna e segura.
As evidências são claras
Entre 1991 e 2010, segundo o mesmo Perfil de Risco Climático para o Brasil, eventos de chuvas intensas que causaram enchentes e deslizamentos foram responsáveis por 74% das mortes por desastres socioambientais no país. Nesse período, foram registrados desastres associados a deslizamentos de terra, com 1.262 pessoas mortas e mais de 4 milhões de afetadas. Os fluxos de lama, um tipo específico de deslizamento, causaram 483 mortes em apenas 10 eventos. Vale citar o desastre na região serrana do Rio de Janeiro, em 2011, quando, após extremos de precipitação, milhares de eventos deslizamentos, além de inundações causaram cerca de mil mortes e uma grande quantidade de desabrigados (Avelar et al., 2013).
A essa situação soma-se a limitada capacidade de adaptação e a frágil gestão do risco climático. Um estudo recente publicado na revista Sustainable Cities and Society (SCS), realizado por pesquisadores brasileiros, analisou a capacidade de adaptação das cidades do país por meio do Índice Urbano de Adaptação. Os resultados revelam que mais da metade dos municípios (54,1%) encontram-se nos níveis mais baixos de adaptação e apresentam, além disso, uma gestão insuficiente do risco climático, como mostra a figura a seguir, indicando um prognóstico preocupante.

O que fazemos agora?
Hoje, a mudança climática deixou de ser um problema distante. Está nas nossas ruas, nas nossas encostas, na forma como construímos nossas cidades. Se antes a ocupação inadequada das encostas já era um problema, com o aumento das chuvas, esse quadro ficou mais grave. Cabe a nós, portanto, não apenas conhecer os efeitos das mudanças climáticas, mas nos perguntar o que podemos fazer para nos adaptar e prevenir tragédias maiores.
Isso implica olhar com outros olhos para as nossas encostas, conversar com nossos vizinhos sobre como prevenir, exigir políticas de habitação digna e segura, e promover práticas construtivas que respeitem a estabilidade do terreno. E, sobretudo, é hora de repensar nossa relação com a natureza, não a partir do controle, mas da convivência respeitosa.
Porque sim: a mudança climática não é algo que acontece longe. Acontece aqui. E nos adaptar a ela de forma, para sermos resilientes frente aos riscos, também começa aqui na encosta, na raiz do bairro, na comunidade e, claro, na institucionalidade.
Fontes
Avelar, A. S.; Netto, A. L. C.; Lacerda, W. A.; Becker, L. B.; Mendonça, M. B. Mechanisms of the recent catastrophic landslides in the mountainous range of Rio de Janeiro, Brazil. Landslide Science and Practice: Global Environmental Change, v. 4, p. 265–270, 2013
Eyring, V., N.P. Gillett, K.M. Achuta Rao, R. Barimalala, M. Barreiro Parrillo, N. Bellouin, C. Cassou, P.J. Durack, Y. Kosaka, S. McGregor, S. Min, O. Morgenstern, and Y. Sun. (2021) Human Influence on the Climate System. In Climate Change 2021: The Physical Science Basis. Contribution of Working Group I to the Sixth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change [Masson-Delmotte, V., P. Zhai, A. Pirani, S.L. Connors, C. Péan, S. Berger, N. Caud, Y. Chen, L. Goldfarb, M.I. Gomis, M. Huang, K. Leitzell, E. Lonnoy, J.B.R. Matthews, T.K. Maycock, T. Waterfield, O. Yelekçi, R. Yu, and B. Zhou (eds.)]. Cambridge University Press, Cambridge, United Kingdom and New York, NY, USA, pp. 423–552, https://www.ipcc.ch/report/ar6/wg1/chapter/chapter-3/
Naciones Unidas. (1992). Convención Marco de las Naciones Unidas sobre el Cambio Climático.
Climate Risk Profile: Brazil (2021): The World Bank Group.
Barreto de Mendonca, M. & Teles Gullo, F. (2020). Landslide risk perception survey in Angra dos Reis (Rio de Janeiro, southeastern Brazil): A contribution to support planning of non-structural measures. Land Use Policy 91
Marques, G., Serrao-Neumann, S., Pereira, D., Guariglia, C., Alves, E., & Rodrigues, R. (2025). Advancing adaptation of highly heterogeneous urban contexts for improved distributive climate justice: an analysis of specific and generic adaptive capacities of Brazilian cities. Sustainable Cities and Society 130 (2025) 106665.