A construção social do risco associado a deslizamentos e o engajamento da população na redução dos riscos

Por Alessandra Figueiredo, graduanda de Engenharia Civil; João Marcos, graduando de Engenharia Química e Felícia Guerra, graduanda de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e extensionistas do projeto Encosta Viva

Por muito tempo, se entendia o desastre como algo natural, ou seja, algo independente da sociedade. Entretanto, o desastre é uma perturbação que afeta a sociedade e não se limita ao evento adverso. Portanto, é importante entender que, por trás dos desastres, existe um processo social que faz com que as comunidades fiquem expostas às ameaças de tais eventos, como os deslizamentos.

Estudos sobre a construção social do risco ligado a deslizamentos de terra apresentam evidências de que, apesar dos desastres relacionados a tais eventos – um dos mais frequentes no Brasil – acontecerem em diversos lugares no país e no mundo, em áreas ocupadas por populações de diferentes classes sociais, as populações mais pobres são afetadas de forma desproporcional.

Os marcos das Nações Unidas (ONU) voltados para a redução de riscos de desastres, como o de Hyogo (2005) e Sendai (2015), foram importantes para que os governos começassem a pensar, em suas políticas de enfrentamento de desastres, em medidas que tratassem dos fatores subjacentes aos riscos, que são os processos de vulnerabilização da população, o que faz aumentar os impactos dos desastres. Porém, a lenta integração desses aspectos nas políticas públicas, fez, e faz, com que as ações de redução de riscos de desastres (RRD) ainda sejam deficientes.

A construção social do risco é um conceito que tem sido explorado por diversos pesquisadores brasileiros, incluindo José Augusto Pádua (2002) e Norma Valêncio (2009). Os autores discutem como os riscos ambientais, como os relacionados a deslizamentos de terra, são influenciados por fatores sociais e históricos. O autor argumenta que a construção social do risco está intimamente ligada às relações de poder e dominação presentes na sociedade brasileira. Ele destaca que a ocupação de áreas suscetíveis a ameaças naturais, configurando uma situação de risco, é determinada por processos sociais, como a segregação urbana, a pobreza e a falta de políticas públicas eficazes que reduzam as vulnerabilidades da população.

A questão do racismo ambiental

Foto: Reprodução/ Portal FGV

Além disso, a percepção diferenciada do risco entre diferentes grupos sociais, evidenciando como comunidades marginalizadas são frequentemente mais vulneráveis a deslizamentos de terra devido à falta de acesso a informações, recursos e infraestrutura adequada. Essa discrepância também é observada na resposta e na recuperação após a ocorrência dos eventos adversos, quando, em determinadas ocasiões, comunidades mais privilegiadas recebem uma atenção preferencial em relação às comunidades marginalizadas. Logo, a gestão do risco de deslizamentos de terra não pode ser dissociada das questões sociais e políticas que permeiam a sociedade, exigindo uma abordagem que leve em consideração as desigualdades existentes e promova uma participação efetiva das comunidades afetadas na tomada de decisões.

Dessa forma, a injustiça socioambiental no contexto dos deslizamentos de terra no Brasil, como em outras partes do mundo, é evidente. Nesse sentido, Henrique Cortez observa como comunidades de baixa renda e minorias étnicas estão mais expostas a esses riscos devido à ocupação de áreas naturalmente impróprias e sem a infraestrutura adequada. Além disso, aponta a falta de acesso a serviços básicos, como água potável e saneamento, como fatores que aumentam a vulnerabilidade dessas comunidades, especialmente em áreas urbanas periféricas.

Essas situações refletem uma negligência histórica em relação às comunidades de baixa renda no Brasil. Resultando, assim, em distribuição desigual de recursos e falta de planejamento urbano adequado que considere os riscos já instalados ou potenciais. Soares demonstra como a injustiça ambiental se revela de diversas formas, especialmente pela oneração e distribuição/alocação desigual das populações por motivo de gênero, raça e classe. Assim como a injustiça social afeta de maneira mais intensa as pessoas desfavorecidas economicamente, que possuem acesso restrito aos serviços públicos essenciais. Essas desigualdades sociais e históricas aumentam o impacto negativo sobre as comunidades mais vulneráveis, perpetuando ciclos de pobreza e exclusão.

A favela da Rocinha e o bairro de São Conrado, no Rio de Janeiro. Foto: Alicia Nijdam/ Flickr/ Wikimedia Commons

Nesse contexto, tem-se o racismo ambiental,  que não apenas significa a submissão de grupos étnicos marginalizados a níveis insalubres de poluição, como também a exclusão dos mesmos ao acesso a condições mínimas de moradia, à água potável, à mobilidade urbana, à saneamento básico, à falta de equipamentos urbanos adequados, incluindo escolas, hospitais, e às contínuas ameaças, como as de deslizamentos ou de contaminação (BULLARD, 2000). 

Diante deste quadro, a participação popular tem grande potencial ao desempenhar um papel crucial na busca pela redução dos impactos dos desastres, pois através dela ocorrerá a conscientização e mobilização da comunidade,  ajudando a compreender como são afetadas e a identificar suas causas, que, muitas vezes, são invisibilizadas. Isso pode levar à mobilização das comunidades para exigir mudanças e melhorias em suas condições ambientais. As comunidades afetadas se organizam e participam ativamente do processo político, pressionando governos e autoridades a adotarem políticas mais justas e inclusivas. Isso pode incluir a exigência de regulamentações ambientais mais rigorosas, ações para prevenir e  mitigar danos ambientais e investimentos em infraestrutura e serviços em áreas afetadas.

Dessa forma, a participação popular é essencial para enfrentar os riscos ambientais, capacitando as comunidades afetadas a terem voz e agir na proteção de seu meio ambiente e na busca por justiça ambiental. Quando se trata do deslizamento de terra, a participação popular possui grande importância na identificação das áreas de risco, pois as comunidades locais possuem um conhecimento sobre especificidades locais, que muitas vezes não são percebidas por técnicos externos. Além de contribuir para mapear os perigos e vulnerabilidades, a população tem a experiência sobre o sucesso e o insucesso das medidas já adotadas na localidade, como o monitoramento das condições do terreno, sistemas de alerta e planos de contingência,  levando em conta fatores como acesso a rotas de fuga, locais seguros de abrigo e estratégias de evacuação.

Fontes:

Bullard, R. D. (2000). Dumping in Dixie: Race, Class, and Environmental Quality. Westview Press.<https://www.researchgate.net/publication/227582649_Dumping_in_dixie_Race_class_and_environmental_quality>


CARTIER, R. et al. Vulnerabilidade social e risco ambiental: uma abordagem metodológica para avaliação de injustiça ambiental. Cadernos de Saúde Pública, v. 25, n. 12, p. 2695–2704, dez. 2009. <https://www.scielo.br/j/csp/a/53xmwW4nCBqMpwpffTSWK5P/?lang=pt#>


Cortez, H. Racismo ambiental: comunidades marginalizadas são as mais afetadas. Disponívelem:<https://www.ecodebate.com.br/2024/01/14/racismo-ambiental-comunidades-marginalizadas-sao-as-mais-afetadas/ >. Acesso em: 18 set. 2024.


‌FREIRE, N. C. F.; BONFIM, C. V. DO; NATENZON, C. E. Vulnerabilidade socioambiental, inundações e repercussões na Saúde em regiões periféricas: o caso de Alagoas, Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, v. 19, p. 3755–3762, 1 set. 2014. <https://www.scielo.br/j/csc/a/7ZHTp8Z9frPgCh3zLrtR5RD/ >


MARCHEZINI, Victor. Redução de Vulnerabilidades a Desastres: do conhecimento a ação. A construção social do risco de desastres: buscando as causas de fundo, p. 97-115. São Carlos, 2017.  RiMa Editora. 


Pádua, J. A. (2002). Um Sopro de Destruição: Pensamento Político e Crítica Ambiental no Brasil Escravista. Zahar.<https://www.scielo.br/j/his/a/zsVYgSxDkm7dmJmvTGBkGJM/>


Soares, CFZ. Estado Socioambiental de Direito e racismo ambiental: debate sobre as repercussões dos eventos climáticos extremos no Brasil (2010-2023).n. 2, p. 77–109, 2023. <https://revistas.ufpr.br/sclplr/article/viewFile/92301/50046>


Valêncio‌, N. Sociologia dos desastres : construção, interfaces e perspectivas no Brasil. São Carlos, Sp: Rima, 2009.<https://defesacivil.es.gov.br/Media/DefesaCivil/Publicacoes/Outros/Livro-Sociologia-Dos-Desastres.pdf >


Valêncio, N. Sociologia dos Desastres. O Sistema Nacional de Defesa Civil (Sindec) diante das mudanças climáticas: desafios e limitações da estrutura e dinâmica institucional, p. 19-34. São Carlos, 2009. RiMa Editora.


VIEIRA, M. S.; ALVES, R. B. Interlocução das políticas públicas ante a gestão de riscos de desastres: a necessidade da intersetorialidade. Saúde em Debate, v. 44, n. spe2, p. 132–144, jul. 2020. <https://www.scielo.br/j/sdeb/a/rB8WJjqPkV3X3JW4P3B94ts/?lang=pt#>


Elementos da gestão de riscos

Raíssa Araujo, mestra em Engenharia Ambiental da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e extensionista do projeto Encosta Viva

O risco é a combinação de três elementos: a suscetibilidade do ambiente ao evento adverso, exposição da comunidade à ameaça e vulnerabilidade da comunidade frente a ameaça. Para se fazer a gestão de forma eficiente, tem que atuar na redução dessas componentes:

Fonte: Elaboração própria

Influenciado por características do terreno e ações antrópicas, como já citado no texto Desastre x Deslizamentos e Causas de deslizamentos de terra  

Relativo ao número de pessoas que estão presentes no território suscetível ao evento adverso. A falta de planejamento urbanos e políticas públicas de moradia faz com que principalmente a população mais pobre se estabeleça em terrenos mais perigosos, como os morros suscetíveis a deslizamentos. 

Dependente da capacidade de resistência e reação da comunidade afetada pelo desastre. Considera aspectos de reação imediata ao acidente, como presença de sistemas de alerta, equipes de resgate e hospitais, assim como pós-desastre como a capacidade financeira de reconstrução dos bens perdidos. Além disso, são considerados aspectos de mitigar e prevenir os impactos, como a educação, políticas públicas e legislação. 

Fontes

CAMARINHA, P. I. M. Vulnerabilidade Aos Desastres Naturais Decorrentes De Deslizamentos De Terra Em Cenários De Mudanças Climáticas Na Porção Paulista Da Serra Do Mar. p. 252, 2016.

FATEMI, Farin et al. Social vulnerability indicatorsin disasters: Findings from a systematic review.International journal of disaster risk reduction, v. 22, p. 219-227, 2017.

S. Schneiderbaue, D. Ehrlich. Social levels andhazard (in)dependence in determining vulnerability. J. Birkmann (Ed.), MeasuringVulnerability to Natural Hazards – Towards DisasterResilient Societies, United University Press (2006), pp. 78-102

OLÍMPIO, João Luís Sampaio; ZANELLA, Maria Elisa. Riscos naturais: conceitos, componentes erelações entre natureza e sociedade. Raega-O Espaço Geográfico em Análise, v. 40, p. 94-109, 2017.


Ações para reduções de risco dos deslizamento de terra

Por Arthur Medeiros, graduando do curso de Engenharia Civil e Yasmim Kubrusly, graduanda de Engenharia Ambiental da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e extensionistas do projeto Encosta Viva

A implementação de ações de redução de risco em deslizamentos é crucial para preservar vidas e propriedades. Adotar medidas preventivas ajudam na mitigação dos impactos devastadores desses eventos naturais, promovendo a segurança das comunidades vulneráveis a esses riscos.

A educação é uma das ações mais importantes para reduzir os riscos. Uma das vertentes é esclarecer aos moradores sobre os sinais precoces de instabilização de uma encosta, práticas seguras de construção e evacuação eficiente. Outra vertente é a consideração dos saberes tradicionais pelos demais atores envolvidos, principalmente, pelos agentes públicos no conhecimento dos riscos e nas ações para sua redução. Além disso, a educação deve fomentar o engajamento da população visando a prática da gestão participativa. 

Claro, a participação do poder público na redução dos riscos é crucial. Implementar regulamentações de construção adequadas, realizar o mapeamento de áreas de risco, obras de engenharia para estabilização de encostas  e promover programas educacionais são ações essenciais. Além disso, o apoio para comunidades vulneráveis e a coordenação efetiva de planos de emergência contribuem significativamente para a prevenção e resposta eficaz aos desastres associados a deslizamentos e mostram o comprometimento das autoridades com o bem-estar da população. Quanto às obras de engenharia, a construção de estruturas de contenção e a incorporação de drenagem adequada ajudam a estabilizar as encostas.


Encosta Viva